A captura da imagem com um laço

Por Toninho Cury

Texto publicado no Jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto - 05 de Agosto de 2004

 

Silenciosamente, como sempre fez ao acionar o obturador de sua velha “Leica”, partiu para o mundo dos mortos o mestre Henri Cartier-Bresson. Silenciosamente foi sepultado, como foi seu trabalho e vida particular. Soldado de frente na batalha diária da captação de imagens, sempre deu tiro certeiro, como dizia: “fotografar é captar a vida em um laço”. Homem de poucas palavras, andar tranquilo, tornou-se ícone da fotografia mundial. Desnecessário relatar mais uma vez sobre sua obra. As “façanhas” já foram ditas em todos os meios de comunicação. Na qualidade de fotojornalista, aquela pequena gota no oceano perto de Cartier-Bresson, vou divagar sobre o mistério que Bresson levou ao túmulo. Algo que nunca saberei. Aquela “coisa” de vazio do Zen-budismo, em certos momentos, ou, o “caminho do meio” do Taoísmo, assim faço a leitura do trabalho do velho mestre. O segredo em acertar o alvo do arco e flecha com os olhos vendados, é questionável quando em determinado momento da vida o alvo já não é tão importante. Mas como entender e associar tal filosofia ao trabalho fotográfico? É arte em atingir o vazio, o nada, a simplicidade, ingenuidade e ao mesmo tempo, tudo. Assim, Bresson fez a vida toda. Do vazio, do nada, fez grande trabalho. Mas, como? Mistério. Nunca Bresson partiu aos extremos em sua linguagem. Caminhou no meio. Seu trabalho tem movimento e cor, embora só fotografou em branco e preto. Mas, como? Mistério. Então, do ponto de vista da filosofia Kardecista, não era Bresson quem fotografava, era incorporado? Nada disso. Bresson era único. Não houve melhor que ele antes, muito menos haverá posterior. Mistério. Suas ferramentas de trabalho pesavam menos que dois quilos: uma “Leica” e três objetivas: 35, 50 e 90 milímetros. Mas, como, com só isso, um homem conseguiu mudar a forma de olhar o mundo? Mistério. Olhares das pessoas nas fotos de Bresson fixam no nada ou convergem a um ponto forte do quadro. Coisa montada? Mistério. Bresson era fotógrafo de rua e carregava a câmera escondida no sobretudo. E as relações em suas fotos entre o gordo e o magro, fraco e forte, alto e baixo, etc., a geometria das coisas, as linhas, as luzes... Como se faz? Mistério. Coisas de mestre. Finalizando meu raciocínio, Bresson tinha algo místico nas veias. Em sua tese denominada “Decisive Moment” (1952), comparou-se a um arqueiro zen, dizendo que “o fotógrafo tem que transformar o alvo para poder atingí-lo”.  Prosseguindo, “deve-se pensar antes ou depois”. Bresson sabia bem das “coisas”. Já no famoso “A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen”, de Eugen Herrigel, há um momento de reflexão em relação aos ensinamentos de Bresson, quando Herrigel não alcançava o alvo na arte do arco e da flecha: “Suas flechas não atingem o alvo”, observou o mestre, “porque espiritualmente não percorrem grandes distâncias”. Mas, como Bresson associou cultura milenar com fotografia? Mistério. Assim, após o mundo conhecer o trabalho de Cartier-Bresson, muita coisa mudou em relação a linguagem fotográfica. Pesquisadores surgiram, bem como muitos no ramo da psicologia e psiquiatria, usam da arte em suas teses. Citando duas fontes: o fotógrafo Minor White, criador da “Autodescoberta através da câmera”, observa que “a fotografia de paisagem é a paisagem interior do fotógrafo” e Dorothea Lange, fotógrafa e pesquisadora, a que mais se aproxima do mistério de Bresson, quando diz: “todo retrato de outra pessoa é um autorretrato do fotógrafo”. Verdade ou coincidência? Mistério. (TC)