Por Lelé Arantes
Matéria publicada no jornal Folha de Rio Preto - 10 de Novembro de 1999

Recebi ontem um pacote de fotos em preto e branco do cemitério iluminado de Ubarana. Fotos de Toninho Cury, nosso expert internacional em fotos artísticas em preto e branco. O que deveria ter uma aparência tétrica traz, na verdade uma aura de paz e benção.
Acompanhei Toninho Cury na noite de Todos os Santos ao cemitério de Ubarana, onde uma benzedeira, dona Maria Rodrigues, de seus 90 anos implantou a tradição de rezar um terço à meia-noite, na passagem de Todos os Santos para Finados. No final do terço, comes e bebes típicos dessas rezas.
Chegamos atrasados. Neste ano, o terço aconteceu às 22 horas. Chegamos às 22h30 e ainda alcançamos o cemitério todo iluminado pelas velas acesas. Em cada túmulo, cova, jazigo e carneira havia pelo menos uma vela acesa.
Pela primeira vez eu havia entrado num cemitério à noite - feito que jamais me passou pela cabeça. Até durante o dia eu sou cismado com cemitérios. Nem o típico tilintar das plaquinhas, que tanto sucesso faz nos filmes de terror, me fez recuar. Mesmo sem o terço, várias famílias, com crianças, perambulavam pelas alamedas do cemitério, conversando, rindo, passeando como numa praça pública. A morbidez deu lugar à paz e o meu medo desapareceu substituído pela coragem.
Dizem os antigos que devemos ter medo dos vivos e nunca dos mortos. Ubarana me ensinou isto naquela noite de Todos os Santos - e de Finados, a partir da zero hora. A benzedeira de Ubarana, ao rezar os terços à meia-noite no cemitério, fez mais bem para a humanidade do que a maioria dos políticos e pregadores de plantão que se dizem preocupados com o bem-estar social e espiritual do semelhante.
Dona Maria Rodrigues, ao levar o terço para o cemitério, humanizou a convivência noturna dos homens com os seus mortos, erradicou o medo e estabeleceu a paz para os vivos. Ela prova, com ações concretas, que os mortos repousam em tranquilidade e que o medo é apenas um produto da imaginação do homem. (LA)